O Patriarcado Faz a "Sorridente Madame Beudet" Chorar Por Dentro

Diretora: Germaine Dulac Ano: 1923

Em Sorridente Madame Beudet acompanhamos essa mulher que está presa em um casamento idealizado e considerado saudável dentro das noções patriarcais da sociedade alemã dos anos 20, uma casa grande, dinheiro em abundância, empregados, e certos privilégios que apenas a alta classe poderia ter na época, porém a diretora Germaine Dulac decide subverter todas as noções românticas de nobreza e boas relações que não só a sociedade da época na qual o filme foi feito como a que vivemos atualmente considera correta.

Madame Beudet (Germaine Dermoz) é mostrada como uma musicista de talento e capacidades altíssimas para composições próprias, após ser mostrado que toda a sua inspiração vinda de Debussy serve como alimento para sua vida artística é demonstrado uma sensibilidade imensa para com a arte graças ao seu imaginário forte, Beudet está a todo momento sonhando e idealizando situações em sua cabeça, sejam elas críveis e dentro do possível da natureza humana ou totalmente fantasiosas e impossíveis de serem realizadas de forma natural. É neste momento em que a diretora usa do surrealismo para manipular sombras e cenário em meio às cenas que estão acontecendo em tela, gerando um misto de sensações a cada sonho de Beudet, o que é uma sacada muito inteligente já que a incoerência de sonhos não nos permite definir o total número de sentimentos que temos durante eles.

Já Monsieur Beudet (Alexandre Arquillière) é um homem asqueroso e indesejável, seguindo o arquétipo de homem superior devido ao seu poder monetário e amigos de alta classe, o personagem é apresentado como o motivo maior da Madame ser tão amargurada, já que fica entendido por cenas posteriores que o casamento de ambos foi feito às pressas ou cheio de promessas falsas, como aqueles onde uma donzela se apaixona pela personagem que o rapaz é capaz de criar apenas para conquistar a moça, e uma vez que a têm acredita que ela se torna uma posse.

O marido está constantemente rebaixando Madame Beudet, seja com seu comportamento insensível e indiferente a como sua esposa está se sentindo naquele dia ou reprimindo seus dons artísticos fazendo pouco caso de sua música e imaginação fértil. Como se não bastasse o homem tem o costume de fazer a desagradável brincadeira de fingir suicídio apertando o gatilho de um revólver em sua cabeça, essa que todos os seus conhecidos sabem que nunca é sério já que o revólver é guardado em uma gaveta distante dos projéteis, tornando a brincadeira apenas chata e insensível.

Após chamá-la para ver uma ópera da qual ela não tem interesse o marido se irrita pelo convite recusado e a abandona em casa, nisso a diretora nos conduz para uma apresentação magnífica de solidão e isolamento, deixando tudo que existe em volta de Beudet extremamente escuro e claustrofóbico, criando desespero e paranoia que culmina em uma tentativa de assassinato do marido. Aproveitando-se da brincadeira de roleta russa a Madame coloca uma bala engatilhada escondida no revólver para que quando ele fizesse novamente parecesse um suicídio.

Sorridente Madame Beudet é um clássico do expressionismo alemão e considerado hoje um dos primeiros filmes feministas já criados, muito se é falado dos homens que criaram grandes filmes quando as câmeras de filmagem passaram a ser manuseadas para contar histórias, mas pouco era falado das mulheres que foram pioneiras na sétima arte, porém nas últimas décadas um resgate histórico tem sido feito e assim muitos cinéfilos puderam conhecer a cineasta Germaine Dulac, que não só foi parte importante da história do surrealismo alemão como pode incitar essas provocações no público com seus filmes claramente contra a burguesia e o patriarcalismo.

Existem diversas cenas onde o Monsieur Beudet é mostrado como um tremendo incapaz que apesar de todo seu dinheiro e poder sobre sua mulher mal consegue colocar uma gravata ou abotoar um paletó, inclusive fica implícito em uma cena que ele tenta ter relações mais íntimas com a esposa enquanto ela está dormindo, mostrando que uma mulher consciente e com capacidade para recusar o assusta. Já outra nos mostra Madame Beudet imaginando as óperas das quais esses homens e mulheres chiques tanto louvam, e nelas os cantores estão sempre vestidos como paspalhos para que o público repleto de nobres e burgueses possam se entreter a custa da imagem alheia.

Mas para mim o mais interessante é a cena final do filme, já vi algumas interpretações que acreditam que a diretora quis mostrar que o amor pode prevalecer e esses homens possam mudar, mas assistindo a obra eu tive uma percepção totalmente contrária.

Madame Beudet acaba de fato se arrependendo de ter colocado uma bala no revólver do marido, não por amá-lo ou perdoá-lo, mas por pesar na consciência a ideia de ser responsável pela morte de alguém. Apesar de tentar desfazer o que fez o Monsieur acaba segurando o revólver contra a cabeça, mas antes de apertar o gatilho ele o aponta para sua esposa e dispara, ele erra o tiro e a Madame cai de susto, ao correr para verificar se sua esposa está bem ele solta a seguinte frase: "Você estava tentando suicídio? Como eu poderia viver sem você?" Beudet então olha para nós com um olhar distante mostrando o desprezo pela fala do marido após quase matá-la.

Esse final me diz que seu marido não se importa com ela por conta de seu amor platônico, mas pelo fato da esposa ter assinado um contrato que supostamente diz que é papel dela submeter-se até que ele morra, mostrando que para um homem sem a menor sensibilidade para com as mulheres a única diferença entre um empregado e a esposa é que ele coloca a aliança dentro do dedo de uma. Então o filme acaba dizendo o quão seria horrível ser uma mulher submissa a um homem que apesar da nobreza não carrega nenhuma sensibilidade e amor.

Solid_Mateus

Mateus, amante de Cinema Alternativo, Filme B, Exploitation, e o maioir defensor de diretores odiados pela crítica especializada. Nas horas vagas sou Otaku, mas isso é segredo.

Cargo: Escritor

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