Só a beleza importa | Kasane | Review

Kasane Fuchi tem o sonho de tornar-se uma grande atriz, assim como sua falecida mãe, entretanto sua aparência horrenda é o maior obstáculo. Porém, Kasane recebe um batom especial de sua mãe, o qual permite seu usuário trocar de face por meio de um beijo. Será essa herança uma bênção?

Autora: Daruma Matsuura

Serialização: Evening

Número de capítulos: 126

Ano de publicação: 2013

A beleza é uma característica que é capaz de cativar quem a observa. É uma manifestação do esplendor do ser que consegue provocar satisfação. Mesmo que seja algo relativo, o que é belo tende a ser contemplado. As pessoas agraciadas por este atributo são reverenciadas e exaltadas. É seguindo esses aspectos que o mangá Kasane narra a tragédia de Kasane Fuchi.

Levemente inspirado no conto Kasanegafuchi (não confundir com o filme Shinkei Kasanegafuchi), Daruma Matsuda não possui a intenção de apresentar uma história aos moldes do Patinho Feio. A autora não mede esforços em mostrar como Kasane é denegrida e inferiorizada. Em determinado momento é mencionado que a aparência da personagem consegue deixar a bebida com gosto de esterco.

Mas se por um lado Daruma expõe o menosprezo sofrido pela protagonista, ela também se dedica em trabalhar sua personalidade. Kasane é apresentada como uma pessoa agressiva, ríspida e sombria, obviamente para o seu próprio bem. Além disso, os desejos e ambições da personagem são manifestados de maneira distinta e convincente, e oferecerem a ela vivacidade.                           

Mesmo que o mangá tenha elementos sobrenaturais (o batom mágico), estes não são esmiuçados ou explicados a fundo. Ainda que possuam significância para a trama, tais componentes não oferecem, ao menos isoladamente, encanto para a narrativa, e o que fica a cargo desta tarefa são as relações da protagonista e o seu psicológico.

Embora Kasane me faça lembrar um pouco Tom Ripley (personagem criado por Patricia Highsmith, que pode personificar suas vítimas), ela não é uma espécie de sociopata. A protagonista, inicialmente, utiliza de métodos invasivos para roubar faces, mas com o aparecimento Kingo Habuta, figura prosaica e proeminente na história, o procedimento torna-se mais discreto.

Por vezes a troca de faces entre Kasane e a outra pessoa é, a princípio, um benefício mútuo, já que o indivíduo tem uma boa aparência, mas nenhum talento para atuar, o oposto da protagonista. Entretanto, a relação harmônica torna-se uma dependência tanto para Kasane quanto para o envolvido.

Das relações entre Kasene Fuchi e os outros personagens, a mais intrigante é a que ocorre com Nogiku, que entra em cena para mostrar um lado diferente. Ela e Fuchi são como água e óleo, contudo, sofrem do mesmo infortúnio, a privação dos prazeres da vida. Porém isto ocorre de maneira distinta para cada uma.

                                                              

No entanto a relação de Kasane não se limita apenas a interação com outros personagens. O teatro é o principal cenário que aparece no decorrer da trama, e este tem influência direta no psicológico da protagonista. Os papeis que Fuchi desempenha nas peças teatrais fazem um paralelo com seu estado emocional. Notável exemplo é em Macbeth, onde ela interpreta Lady Macbeth. Na tragédia de William Shakespeare a Rainha da Escócia é atormenta por alucinações. De maneira semelhante, Kasane é afligida pelos fantasmas daqueles que ela usurpou o rosto.

                                     
                                                                      

Porém a analogia com a psique da personagem atinge seu ápice com a peça Lady of the Dawn.

A atuação consiste em imprimir vida e realidade a algo ou alguém fictício, e consegue convencer o espectador de que aquilo é verídico. Neste contexto, a personagem de Matsuura faz a tarefa com maestria. Kasane Fuchi pode converter o falso em real (e esta é justamente a intenção dela). Ao incorporar o rosto de outro indivíduo, ela transforma-se em um ser totalmente novo, e transmite o seguinte pensamento: Até onde a pessoa Kasane deixa de existir? Até que ponto a cópia se tornou o original e o original a cópia?

É neste momento de transformação que a personagem nos mostra uma fachada hipnótica e cheia de presença, que por vezes, parece criar uma espécie de diálogo com o leitor. “Veja como sou bela. Contemple minha superfície, não olhe profundamente”. Gradualmente a protagonista vai entrando em um estado de auto rejeição.

                                                             

                                     

                                   

Mediante um olhar mais profundo, o mangá aparenta aludir sobre o devir (vir a ser), que trata sobre o processo de mudanças efetivas que todo ser passa. O conceito foi apresentado por Heráclito de Éfeso em oposição ao estado de permanência, postulando que tudo está em constante mudança e transformação.

Porém a definição exata do conceito está longe da univocidade, e com o passar das décadas, diversos pensadores trataram sobre devir. Friedrich Nietzsche em sua filosofia, acerca do tema, observa a tensão entre as forças contrárias (quente-frio, dia-noite). A passagem de um para o outro é o que se denomina de vir a ser, e esse ocorre pela relação de conflito entre os opostos, pois para que um prevaleça, o outro deve deixar de existir.

                                            

Em Kasane a luta entre os contrários se faz presente em diversos momentos. O que belo e o que é feio, o verdadeiro e o falso, aceitação e rejeição, felicidade e tristeza, o que está aparente e o que está oculto.

                                                     

Kasane transmite a habitual mensagem de que devemos aceitar a nós mesmos, porém a maneira como é passada, é bastante singular. Mesmo que possua índole reprovável, a protagonista tem seus momentos de arrependimento e amargura. Embora não demonstre, parece estar sempre infeliz, pois a felicidade dela é meramente ilusória. Por vezes torna-se difícil almejar o sucesso da personagem ou esperar sua ruína, pois no fim, ela é apenas alguém assombrada por seus próprios desejos.

 

Kanch0me

Kanch0me (Arthur Felipe Valença) é formado pela Federal Rural de Pernambuco em Biologia, além de técnico em informática. Atualmente é estudante de Licenciatura. Entusiasta da indústria cinematográfica e amante de animes, mangás, HQs e videogames.

Cargo: Escritor

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